A técnica em hematologia Silvana Bento, 46 anos, atendia pacientes cirúrgicos e observou um padrão nos prontuários: mulheres transgêneros tinham problemas nos rins. “Comecei a me perguntar o motivo e questionei médicos e enfermeiros”, afirma. O problema era que, para diminuir o volume na virilha, elas utilizavam fita adesiva ou cola para esconder a genitália entre as pernas. “Para não ter vontade de usar o banheiro, elas deixam de se hidratar, o que causa enfermidades”, explica Bento.
A ideia para o empreendimento decorreu de uma situação trágica. Em dezembro de 2015, viu uma paciente morrer em decorrência de uma doença renal. Impactada e decidida a encontrar uma solução, fundou a Trucss, e-commerce de lingeries para mulheres trans. A marca, que tem sede na cidade de São Paulo, foi uma das selecionadas da Aceleração de Negócios de Empreendedoras Negras, liderada pela Meta e PretaHub.
Para desenvolver as lingeries, Bento pesquisou as necessidades das mulheres transgênero e perguntou a elas o que seria o modelo ideal. “Elas me mostravam como utilizavam as fitas, e usei de inspiração para criar a modelagem das calcinhas”, diz a empreendedora. No processo de pesquisa, encontrou outro problema: o contato do órgão genital com o ânus também era causador de infecções. Para resolver a questão, Bento pensou em uma espécie de casulo dentro da calcinha.
Com a ideia em mente, entrou em contato com costureiras para criar as peças. “Eu falava o que eu queria, mas ninguém me entendia. Fiz desenhos, mas ainda assim era complicado”, afirma. A própria empreendedora costurou à mão para mostrar o que ela queria. “Explicava que era aquilo que deveria ser feito, mas de uma forma mais bonita.” O protótipo oficial saiu no início de 2017. Hoje, são 16 tipos de peça na coleção.
Ainda trabalhando como plantonista noturna, decidiu que conciliar os dois trabalhos não era uma opção e escolheu o empreendedorismo. “Conversei com a minha família e expliquei que queria seguir em frente com o meu negócio porque não queria mais ver mulheres trans morrendo”, diz Bento.
A empreendedora, então, começou a pensar em formas de divulgar o seu negócio. “Como não faço parte da comunidade LGBTQIA+, decidi criar formas de me aproximar. Fiz um canal no YouTube para publicar vídeos mostrando como minhas peças funcionavam, e colocava o meu celular na legenda para que elas pudessem entrar em contato comigo.” Ela conta que também conseguiu mais visibilidade ao participar do programa “Shark Tank”.
Para a empreendedora, um dos diferenciais de seu negócio foi ter conseguido criar uma relação próxima com as clientes, já que se trata de um produto íntimo.
Em 2020, mesmo na pandemia, decidiu abrir uma loja física da Trucss na rua Augusta, em São Paulo. “Acreditei que a pandemia duraria pouco tempo, e quis aproveitar o momento em que os aluguéis estavam mais baratos. Pensei que era uma oportunidade, mas tive de fechar o espaço depois de seis meses”, afirma. Depois da experiência, ela não tem planos de abrir outra loja física, mas pretende inserir suas peças em lojas de departamento.
O plano mais ambicioso da empreendedora é que as lingeries estejam disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS), já que muitas mulheres não têm condições de comprá-las. “Quero que elas recebam as peças da mesma forma gratuitamente, já que é uma forma necessária para prevenção”, afirma.