Silvana da Silva, de 43 anos, é a personificação da frase “ninguém solta a mão de ninguém”, que viralizou nas redes sociais no fim do ano passado. O lema tem tudo a ver com ajudar o próximo e foi exatamente o que essa paulistana decidiu fazer quando largou o emprego em um hospital em 2017. Desde então, ela se dedica totalmente a sua própria marca de calcinhas para mulheres transexuais e travestis.
A técnica em hemoterapia conheceu três pacientes trans durante seus plantões e as três tinham problemas urinários. O motivo? Elas ficavam muito tempo sem ir ao banheiro, pois escondiam a genitália masculina com esparadrapo ou fita adesiva — ou seja, imagina o trampo de colar tudo novamente a cada ida ao banheiro. Foram essas histórias que inspiraram Silvana a criar um negócio em prol de parte da comunidade LGBTQ.
“Elas fazem uma ginástica para puxar o pênis para trás e prender com a fita. E é preciso passar água para soltá-lo senão machuca. Montar e remontar leva tempo, por isso elas preferem não ir ao banheiro”, explica Silvana em entrevista. A solução saudável seria uma peça íntima que cumprisse a tal função.
“Quando descobriam o motivo, não queriam me ajudar”
Na cabeça de Silvana, o acessório era algo simples. Uma calcinha com um compartimento no fundilho para que elas pudessem “guardar” a genitália. Ela explicou a ideia para algumas costureiras e ninguém entendeu a proposta. Sem nenhuma referência, a empresária colocou a mão na massa para materializar a ideia. “Peguei uma agulha, tule e costurei um modelo. Não sabia nem pregar um botão”, brinca Silvana.
A partir daí, a moradora de Guaianases, bairro da zona leste de São Paulo, saiu batendo nas portas das casas das costureiras da região para encontrar alguém que pudesse trabalhar com ela na produção. Silvana garante que não foi uma missão fácil. “Quando descobriam o motivo, não queriam me ajudar. Perguntavam se era para cachorro”, conta. Com muito esforço, driblou muita gente preconceituosa até encontrar Renata Martins, uma designer de moda vizinha que topou o desafio. “Ela apoiou a causa porque sabe que é uma questão de saúde pública”, diz Silvana.
Sucesso na noite
Silvana e Renata formaram uma boa dupla: uma desenha e a outra costura. A dona do negócio investia parte do pouco que ganhava trabalhando como plantonista noturna nas calcinhas. “Minhas clientes entravam em contato comigo por WhatsApp e queriam comprar à noite”, relembra. Assim, Silvana começou a realizar o sonho de empreender. “Sempre quis por causa do meu pai que era comerciante, mas não sabia como. Antes só tinha trabalhado com educação infantil”, explica.
O boca a boca fez com que as calcinhas inovadoras se tornassem famosas entre o público e Silvana não conseguiu mais dar conta das duas coisas. Ela largou os hospitais em 2017 com o aval da família para fazer a novidade acontecer. “Minha mãe tem 76 anos, me apoiou e disse que ia dar certo”, conta.
Dificuldade financeira e “anjos” no caminho
Após deixar a área da saúde, Silvana se viu de mãos atadas sem a grana que usava para tocar o empreendimento, mas nunca olhou para trás. “Não pensei em desistir. Mesmo sendo uma mulher negra periférica e com toda a discriminação, segui em frente pelas minhas meninas”, diz. Ela foi atrás de aceleradoras de empresas e foi selecionada em um programa da Prefeitura de São Paulo. O Vai-Tec ofereceu R$ 33 mil e mentoria para que pudesse desenvolver o negócio. “Foi com esse valor que consegui fazer uma coleção básica e criar novas modelagens. Aí, eu comecei a me enxergar como empreendedora”, conta.
Em 2018, ela chegou a participar do programa ‘Shark Tank Brasil’, da Sony, em busca de mídia. Ela não conseguiu fazer com que os investidores do reality show apostassem nas calcinhas inteligentes, mas a jurada e empresária Cris Arcangeli criou o e-commerce e fez todo o plano de marketing da Trucss, a marca de Silvana, de graça. O seu trabalho ficou cada vez mais conhecido e outros “anjos” apareceram no seu caminho. Uma jornalista mineira “que caiu do céu”, como diz a empreendedora, a presenteou com uma nova identidade e logotipo. “Estou unindo pessoas que acreditam que é necessário lutar pela causa”, diz.
“Não vendo calcinhas, vendo sonhos”
Silvana está feliz da vida com o que conquistou até agora. Além das calcinhas, ela também criou biquínis com a funcionalidade. Mesmo com a venda online operando, ainda atende clientes por WhatsApp para receber sugestões e, claro, elogios. “Falam que eu não vendo calcinhas, vendo sonhos. Elas não iam à praia por não ter como ‘aquendar a neca’ [expressão popular para a técnica de esconder o pênis]. Vou no céu e volto quando elas me contam sobre a felicidade que sentem ao entrar no mar. Vale mais do que qualquer discriminação que eu possa sofrer na caminhada”, reflete.
Hoje, ela vende calcinhas e biquínis de diferentes tamanhos e estampas a partir de R$ 50 na loja virtual. Silvana está sempre pensando em novidades para as suas “meninas” e continua batalhando. “Poder ajudar alguém a ter dignidade e viver de de forma saudável não tem preço”, finaliza.
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